Essa coisa da gente problematizar e politizar tudo não poupa nem o jardim. E, por jardim, entenda qualquer coisa entre uma meia dúzia de vasos com as plantinhas da moda compradas em toda e qualquer loja de decoração ou de material de construção, até os enormes terrenos verdes que circundam palacetes e casas históricas.
Você começa a colecionar umas plantinhas e aprender a cuidar delas justamente para tirar o pensamento da infinidade de problemas do dia a dia e a expectativa da próxima bomba asneirística lançada por um certo ‘presidente’. Aprende sobre cada espécie de ser vivo verde que mora na sua sala, no seu banheiro (um ótimo ambiente para encher de plantas, aliás), na sua varanda, no seu quarto. Sabe o quanto de água elas precisam, se estão sofrendo com a falta de luz natural no seu apartamento. Você até decide comprar um umidificador feio pra caramba que vai comprometer toda sua decoração - mas tudo para manter as plantas felizes e te oferecer distração.
Aí você começa a seguir nas redes sociais pessoas que estão em nível mais avançado que você, horticulturalmente falando. Segue uma aqui, outra ali, vai acumulando recomendações, puramente pelo prazer de ver flores lindas e sadias e tentar aprender ainda mais sobre esse mundo maravilhoso que é a jardinagem.
Mas como a gente sabe, nada nessa vida dá pra compartimentalizar. A gente não acorda um dia e é cuidadora de planta, e no outro; odeia a monarquia. ‘Acho que hoje estou me sentindo apenas feminista’ ou, ‘depois do almoço terei tempo de vestir minha personalidade anti fascista’. Acabou a ilusão: você sabe que a jardinagem também pode e deve ser questionada, que o adubo vendido no varejo para amadores como eu você contém um tipo de musgo (peat) que não deveria ser colhido, que as plantas que você compra naquela loja online que parecia ser tão bacana e tão sustentável só vão parar na sua casa porque tantos países foram colonizados e seus bens naturais removidos, que a planta aliás já não existe de forma selvagem, que as rosas vermelhas vendidas nos supermercados em fevereiro vem de muito longe, tão longe que você deveria boicotá-las e se informar a respeito do ciclo de vida das rosas no país onde você mora. Você aprende que os nomes em latim das plantas desdenham sua origem e sua importância para os povos da onde essas plantas surgiram.
Mas, toda vez que você se levanta do computador depois de mais uma reunião no Zoom que poderia ter sido resolvida em um papo informal de 3 minutos se você estivesse no escritório e vai dar só uma olhadinha nas plantas pra se distrair um pouco, você ainda consegue ter alguns minutos de paz.
Amanhã, ah amanhã, eu vou ler mais sobre decolonizar a jardinagem.
Essa distraída no meio do verde recarrega as energias. Para você que gosta de colocar a mão na massa, energiza mais ainda. Mas para respirar não dá para pensar ou politizar muito, senão queima os miolos e não se consegue relaxar.